LIMA BARRETO
Afonso Henriques de Lima Barreto (1881 - 1922), mulato, teve uma vida difícil, que não o impediu de ser um aluno brilhante até a faculdade que teve de deixar por falta de recursos, escreveu romances e contos que revelam a ironia afiada.
A cartomante
Lima desmistifica o poder das cartas, mostra a verdadeira face da farsa que é praticada pela cartomante.
Trata-se de uma narrativa curta, um conto, mas que prende a atenção do leitor pela riqueza da situação conjugal.
Um casal pobre com suas dificuldades, o marido trabalha e ganha pouco, a mulher ajuda na despesa da casa com trabalhos domésticos, precisa sair diariamente para lavar, passar e cuidar das casas de diversas pessoas, uma espécie de diarista, embora esse termo ainda não fosse usado naquela época, era o que ela fazia.
O dinheiro curto, mas a vontade de vencer era grande, o marido fica em dúvida se usa o dinheiro para as despesas da casa ou se arrisca pagar uma cartomante para lhe predizer a sorte. Finalmente se decide pela cartomante. Vai ao endereço que um amigo lhe dera com boas recomendações a respeito da sapiência da cartomante. Compra o ingresso. Entra na fila e fica esperando sua vez de ser atendido. Chega sua vez. Entra na sala em penumbra, senta-se diante da mulher de turbante, ansioso para que ela lhe indique o número da sorte, mas ela apenas pergunta: - O que você faz aqui? - então ele reconhece a própria esposa vestida de cartomante.
Quase ela deu o "sim" mas...
Lima Barreto
João Cazu era um moço suburbano, forte e saudável, mas pouco ativo e amigo do trabalho.
Vivia em casa dos tios, numa estação de subúrbios, onde tinha moradia, comida, roupa, calçado e algum dinheiro que a sua bondosa tia e madrinha lhe dava para os cigarros.
Ele, porém, não os comprava; "filava-os" dos outros. "Refundia" os níquéis que lhe dava a tia, para flores a dar às namoradas e comprar bilhetes de tômbolas, nos vários "mafuás", mais ou menos eclesiásticos, que há por aquelas redondezas.
O conhecimento do seu hábito de "filar" cigarros aos camaradas e amigos, estava tão espalhado que, mal um deles o via, logo tirava da algibeira um cigarro; e, antes de saudá-lo, dizia:
—Toma lá o cigarro, Cazu.
Vivia assim muito bem, sem ambições nem tenções. A maior parte do dia, especialmente a tarde, empregava ele, com outros companheiros, em dar loucos pontapés, numa bola, tendo por arena um terreno baldio das vizinhanças da residência dele ou melhor: dos seus tios e padrinhos.
Contudo, ainda não estava satisfeito. Restava-lhe a grave preocupação de encontrar quem lhe lavasse e engomasse a roupa, remendasse as calças e outras peças do vestuário, cerzisse as meias, etc., etc.
Certo dia, ele arranjou uma "namorada" que ele "namorava" para cuidar dos filhos, enquanto ela cuidava dos filhos ele ficava no maior bem bom lendo jornal enquanto "trabalhava' para sustentar a família, a mulher nem chegava a desconfiar de João Cazu mas quase todo o bairro sabia, e só não alertaram Ermelinda porque o bairro achava que haviam terminado a amizade pela folgades de João.
Um belo dia, após ano e pouco de tal namoro, houve um casamento na casa dos tios do diligente jogador de football. Ele, à vista da cerimônia e da festa, pensou: "Porque também eu não me caso? Porque eu não peço Ermelinda em casamento? Ela aceita, por certo; e eu..."
Matutou domingo, pois o casamento tinha sido no sábado; refletiu segunda e, na terça, cheio de coragem, chegou-se à Ermelinda e pediu-a em casamento.
— É grave isto, Cazu. Olhe que sou viúva e com dois filhos!
— Tratava "eles" bem; eu juro!
— Está bem. Sexta-feira, você vem cedo, para almoçar comigo e eu dou a resposta.
Assim foi feito. Cazu chegou cedo e os dous estiveram a conversar. Ela, com toda a naturalidade, e ele, cheio de ansiedade e, apreensivo.
Num dado momento, Ermelinda foi até à gaveta de um móvel e tirou de lá um papel.
— Cazu — disse ela, tendo o papel na mão — você vai à venda e à quitanda e compra o que está aqui nesta "nota". É para o almoço.
Cazu agarrou trêmulo o papelucho e pôs-se a ler o seguinte:
1 quilo de feijão. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .600 rs.
1/2 de farinha. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 200 rs.
1/2 de bacalhau. . . . . . . . . . . .. . . . . . . .1.200 rs.
1/2 de batatas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 360 rs.
Cebolas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 200 rs.
Alhos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .100 rs.
Azeite. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 300 rs.
Sal. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 100 rs.
Vinagre. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 200 rs.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3.260 rs.
Quitanda:
Carvão. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ...280 rs.
Couve. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ....200 rs.
Salsa. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ...100 rs.
Cebolinha. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ......100 rs.
tudo: . . . . . . . . . . . ..............................3.860 rs.
Acabada a leitura, Cazu não se levantou logo da cadeira; e, com a lista na mão, a olhar de um lado a outro, parecia atordoado, estuporado.
— Anda Cazu, fez a viúva. Assim, demorando, o almoço fica tarde...
— É que...
— Que há?
— Não tenho dinheiro.
— Mas você não quer casar comigo? É mostrar atividade meu filho! Dê os seus passos... Vá! Um chefe de família não se atrapalha... É agir !
João Cazu, tendo a lista de gêneros na mão, ergueu-se da cadeira, saiu e não mais voltou...
O Homem que sabia javanês
O homem que sabia javanês é um conto do escritor brasileiro de Lima Barreto que narra a história de Castelo, um malandro que, no começo do século XX, finge saber o javanês para conseguir um emprego e afinal fica famoso como um dos únicos tradutores desse idioma. O conto foi publicado pela primeira vez no jornal Gazeta da Tarde do Rio de Janeiro, em 28 de abril de 1911, e posteriormente incluído na coletânea O homem que sabia javanês e outros contos.
O Homem que sabia javanês conta a historia de um homem que estava desempregado em busca de emprego, que viu um anúncio que dizia "procura-se professor de javanês" e ele não sabia falar javanês, mas procurou e estudou a linguá que um amigo de trabalho o alertava que era muito complicado e que só haviam 2 falantes no mundo, mas isso não o intimidou, e ele seguiu estudando para ter o titulo de professor de javanês.